Belas Artes, incêndios em favelas e Serra da Cantareira serão investigados na Câmara de São Paulo

Três assuntos importantes para a cidade de São Paulo serão objeto de investigação em comissões parlamentares de inquérito (CPIs) aprovadas na última quarta-feira na Câmara Municipal: o processo de tombamento do Cine Belas Artes, os incêndios em favelas e a ocupação do solo na Serra da Cantareira.

A CPI do Belas Artes buscará apurar irregularidades no processo de tombamento do imóvel e o cumprimento de sua função social. Fechado há mais de um ano, o cinema vem mobilizando milhares de pessoas que defendem sua permanência no prédio da esquina da Av. Paulista com a Rua da Consolação. Depois de ter o tombamento negado tanto pelo Conpresp, quanto pelo Condephaat (respectivamente, órgãos municipal e estadual de proteção ao patrimônio cultural) a Justiça acolheu um pedido do Ministério Público Estadual e determinou, em dezembro do ano passado, a reabertura do processo de tombamento do imóvel. Em janeiro, em cumprimento à decisão judicial, o processo foi reaberto no Conpresp.

Já a CPI dos incêndios em favelas investigará algo que já intriga muita gente há bastante tempo: a enorme quantidade e um visível aumento dessas ocorrências em nossa cidade. Para se ter uma ideia, reportagem publicada na Revista Rolling Stone em maio de 2011 apurou que “em 2008 e 2009 o número de ocorrências de incêndios em favelas era inferior a 80, no ano passado [2010], de janeiro a setembro, a cifra pulou para 95. Em [maio de] 2011, o corpo de bombeiros já registra 99 casos”.

Por sua vez, a CPI da Serra da Cantareira, proposta desde 2009, investigará o uso e ocupação do solo nesta região, com atenção para os impactos das obras do trecho norte do Rodoanel e para os avanços do desmatamento, que vem crescendo na área, segundo o Ministério Público Estadual.

Embora sejam temas muito diferentes, nos três casos, a abertura destas CPIs resulta de mobilizações de cidadãos paulistanos em torno de questões que são muito relevantes para a cidade. As CPIs, quando não são tomadas apenas pela lógica da política partidária, são hoje praticamente os únicos espaços institucionais de debate na cidade sobre temas da política urbana. Isso é importante especialmente quando e se há lugar para a expressão dos distintos grupos envolvidos nos temas debatidos ao longo do trabalho destas comissões.

Condephaat abre processo de tombamento do Belas Artes

Quem achou que a novela sobre o futuro do Cine Belas Artes havia chegado a um melancólico fim na semana passada, com a decisão do Conpresp (Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico) de não abrir o processo de tombamento do cinema, enganou-se.

O Condephaat (Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico Arqueológico, Artístico e Turístico), que é um órgão estadual, depois de uma longa reunião esta manhã, decidiu pela abertura do processo de tombamento não apenas do cinema, mas também do antigo bar Riviera (na esquina oposta à do Belas Artes) e da passagem subterrânea da Rua da Consolação, que liga as duas esquinas.

Leia correção publicada em 4/10/2011.

É muito interessante essa posição do Condephaat que incluiu não apenas o cinema, mas toda a configuração daquela esquina da Rua da Consolação com a Av. Paulista. Por sinal, o edifício Anchieta, onde ficava o Riviera, foi projetado pelo escritório dos irmãos Roberto, em 1941, e é um importante exemplar da arquitetura modernista em São Paulo.

É importante lembrar, no entanto, que a abertura do processo de tombamento pelo Condephaat não significa que esses lugares e seus usos serão de fato preservados. Quando este órgão abre um processo, significa que ele ainda vai estudar e analisar a possibilidade do tombamento, mas enquanto essa avaliação não é concluída e votada no Conselho, os proprietários dos imóveis não podem descaracterizá-los nem fisicamente nem quanto ao seu uso. Qualquer coisa que eles decidam fazer também depende de autorização do Condephaat neste período.

Por outro lado, é preciso dizer que a decisão do Conpresp, na semana passada, de não abrir o processo de tombamento do Belas Artes, apesar do parecer favorável do Departamento de Patrimônio Histórico (DPH) da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo, foi muito estranho. Especialmente porque, sem discutir o teor deste parecer, o Conpresp adotou a interpretação da Procuradoria Geral do Município (PGM) de São Paulo, que considerou inconstitucional o tombamento de um uso de um edifício cuja arquitetura não é significativa.

A posição da PGM revela um total desconhecimento das leis que regulam o patrimônio histórico em nosso país. O argumento é completamente absurdo e mostra que a PGM ignora que há muitos anos órgãos municipais, estaduais e federais têm tombado inúmeros imóveis que não apresentam nenhum interesse arquitetônico. Vejam o exemplo da Fábrica de Cimento Perus, em São Paulo, que foi tombado pelo significado histórico daquele lugar para a população da cidade ou inúmeras casas onde viveram pessoas importantes da nossa história.

No entanto, mais lamentável do que os argumentos da PGM é o Conpresp aceitá-los e adotá-los como sua posição. Como eu já disse, existem inúmeros bens tombados em função única e exclusivamente do seu uso. A abertura do processo de tombamento pelo Condephaat, independente de seu resultado, significará ao menos a possibilidade de realização de um debate mais qualificado sobre o futuro da esquina da Paulista com a Consolação e sua importância para a vida cultural e a memória da cidade.

Para comemorar a notícia, o Movimento pelo Cine Belas Artes convida para uma festa em frente ao cinema na quarta-feira (5), às 19h.

Sai da frente que lá vem escavadeira!

Tratores, gruas e escavadeiras passaram a fazer parte da paisagem de cidades e comunidades, anunciando um processo de destruição/reconstrução jamais visto neste país. Não por acaso, têm sido frequentes os protestos de pessoas que perderão suas casas e bairros ou de grupos que não se conformam em perder referências territoriais construídas ao longo da vida.

O que existe em comum entre o movimento pela permanência do Cine Belas Artes na esquina da Avenida Paulista com a Rua da Consolação e a luta dos moradores do bairro da Água Branca, em São Paulo, com a luta da Vila de Pescadores de Jaraguá, em Maceió, e dos moradores do Morro da Providência, em plena área portuária do Rio de Janeiro?

Em todos estes locais, empreendimentos públicos e privados têm ameaçado a existência de comunidades e a permanência de moradores, ou, no caso do Belas Artes, a manutenção de um uso específico de um local.

A pergunta que não quer calar e que vale para todos estes casos é: com que instrumentos nós podemos contar para definir o que merece ser preservado e o que pode ser destruído? Além do valor econômico, que outros valores constituem a cidade e o território? Quem decide quais são estes valores?

Infelizmente, hoje, o planejamento territorial e as regras de uso e ocupação do solo, que deveriam ser, em tese, o instrumento definidor destas questões, ou são “pedaços de papel pintado”, sem nenhuma incidência no processo decisório sobre os investimentos privados e públicos, ou, quando existem, são feitos sob medida para estes investimentos, abrindo basicamente frentes de expansão econômica com pouca ou nenhuma aderência ao conjunto de atores que construíram estes lugares e que deles fazem parte.

Diante deste cenário, resta o instrumento do tombamento, cada vez mais mobilizado pelas comunidades na defesa da permanência de seus valores e territórios. Vale ressaltar que o conceito de patrimônio histórico-cultural evoluiu da identificação da excepcionalidade material para uma compreensão da “referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira”, como consta da Constituição de 1988.

Foi sob esta ótica que o Cine Brasília, em 2007, e o Cine Paissandu, em 2008, foram tombados pelos órgãos de patrimônio do Distrito Federal e do Rio Janeiro, respectivamente. É nesta linha que o Cine Belas Artes enfrenta uma discussão em torno de seu tombamento no Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Cultural de São Paulo (Conpresp).

Mas se quisermos, de fato, enfrentar esta questão, nosso desafio vai muito além: como incorporar valores (além dos valores econômicos) no processo decisório sobre as transformações do país? Isso passa, evidentemente, por maior transparência e discussão pública, mas também pelo necessário amadurecimento da sociedade brasileira no sentido de pensar e planejar antes de fazer.

Cine Belas Artes: valor imobiliário não pode ser o único que conta na política de uso e ocupação do solo da cidade

Apesar da abertura do processo de tombamento do Cine Belas Artes – na emblemática esquina da Consolação com a Paulista – pelo Conselho Municipal de Preservação do Patrimônio Histórico, Cultural e Ambiental da Cidade de São Paulo (Conpresp), o cinema, até agora, apenas ganhou uma sobrevida até o final de fevereiro.

Isso porque o proprietário está pedindo um valor pelo aluguel que é impossível pagar, como já declararam os sócios do cinema a vários jornais da cidade. Ele quer um reajuste dos atuais R$ 63 mil para R$ 150 mil. São 138% de aumento.

Muitos contestam a idéia de “tombar’ o cinema, alegando que só seria “tombável” aquilo que detém valor arquitetônico excepcional. Essa é uma postura que expressa uma visão de patrimônio cultural já superada. A mobilização de centenas de milhares de paulistanos para que o Belas Artes continue onde está demonstra que muitas pessoas não pensam assim.

O caso do Belas Artes, na verdade, revela que o tombamento é mobilizado como medida extrema e desesperada numa cidade (e em um país) onde os valores de uso, a qualidade da vida urbana, os significados histórico-culturais construídos por seus habitantes são totalmente desprezados pelos instrumentos de controle do uso e ocupação do solo, que seguem unicamente a lógica do uso ou forma de construir mais rentável para cada uma das localizações.

A força de uma cidade não se faz apenas dos números de sua dinâmica econômica, mas muito também da capacidade de sua gestão respeitar e fomentar valores coletivos.