A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #14: Anhangabaú em oferta

Prefeitura lança edital de concessão do Vale do Anhangabaú, coração da cidade de São Paulo. É questionável o modelo baseado na ideia de explorar a venda de produtos associados à promoção de eventos e atração de multidões.

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Entregar nossos parques estaduais a empresas privadas é solução?

Alexandre ImamuraCAMPOS DO JORDÃO

Parque Estadual de Campos do Jordão – Alexandre Imamura/Flickr. Alguns direitos reservados.

Nessa terça-feira (7), a Assembleia Legislativa de São Paulo aprovou Projeto de Lei proposto pelo Executivo estadual que autoriza a concessão para a iniciativa privada de 25 parques públicos estaduais, por até 30 anos, para exploração de ecoturismo, madeira e subprodutos florestais (veja a lista completa ao final do texto). Elaborado em 2013, o projeto foi discutido pela última vez em audiência pública em 2015. Na semana passada foi desenterrado e colocado para votação em regime de urgência. A justificativa é que atrairá investimentos para o Estado em um momento de crise fiscal e falta de recursos para fazer a gestão destes bens comuns.

Só que o que poderá ou não ser explorado comercialmente pela iniciativa privada em cada um desses parques, e em que condições, só será definido posteriormente, em editais de concessão específicos para cada um dos parques a serem concedidos. O projeto aprovado pelos deputados não apresenta sequer diretrizes mínimas que orientem tais editais. Integrantes do conselho estadual do meio ambiente inclusive foram pegos de surpresa, pois não foram consultados antes da redação final do projeto.

É importante ressaltar que os parques incluídos neste projeto são dos mais diversos tipos e tamanhos, estão localizados em várias regiões do estado, e já possuem diversos usos, que não estão sendo considerados. Em alguns desses parques existem, por exemplo, projetos de pesquisa sendo realizados. Em outros, como o Parque da Ilha do Cardoso, a população caiçara já trabalha com o turismo. Há também núcleos de quilombolas e grupos vulneráveis que vivem hoje em vários desses parques. Essas pessoas não foram ouvidas na discussão desse projeto de lei, que também não menciona como a relação com elas e com as atividades que desenvolvem hoje nestes locais deverá ser tratada nos editais.

Se o debate público em torno do projeto de lei foi mínimo, o que esperar de um edital? Sem garantia de que haja qualquer processo de discussão com a sociedade, especialmente nas regiões onde estão localizados e com os setores diretamente afetados, estes certamente serão definidos basicamente por critérios de viabilidade econômico-financeira. E as formas e usos mais “viáveis economicamente” para a exploração comercial não são necessariamente as que melhor atendem ao interesse público da preservação socioambiental que definiu estas áreas como bens comuns.

O debate sobre as estratégias de enfrentamento da escassez de recursos deve ser realizado publicamente: as alternativas de gestão dos bens comuns não se resumem à sua mercantilização e não podem ser reduzidas a PPS, concessões ou… ao abandono. Os parques são bens comuns dos cidadãos, não são propriedade privada do governo do estado, muito menos do governador Geraldo Alckmin.

A população paulista tem todo o direito, aliás, tem o dever, de decidir o que ela considera que deva ser o destino dessas áreas e como elas podem ser geridas em tempos de escassez de recursos. Uma a uma, na sua especificidade, e com a devida cautela e o devido respeito a seus usuários, moradores e à sociedade.

Veja os parques que podem ser objeto de concessão para a iniciativa privada:

1. PE Campos Do Jordão

2. PE Cantareira

3. PE Intervales

4. PE Turístico do Alto Ribeira

5. PE Caverna do Diabo

6. PE Serra do Mar (Núcleo Santa Virginia)

7. PE Serra do Mar (Núcleo São Paulo)

8. PE Jaraguá

9. PE Carlos Botelho

10. PE Morro do Diabo

11. PE Ilha do Cardoso

12. PE de Ilha Bela

13. PE Alberto Löfgren

14. Caminho do Mar

15. Estação Experimental de Araraquara

16. Estação Experimental de Assis

17. Estação Experimental de Itapeva

18. Estação Experimental de Mogi Guaçu

19. Estação Experimental de Itirapina

20. Floresta Estadual de Águas de Santa Bárbara

21. Floresta Estadual de Angatuba

22. Floresta Estadual de Batatais

23. Floresta Estadual de Cajuru

24. Floresta Estadual de Pederneiras

25. Floresta Estadual de Piraju

*Publicado originalmente no Portal!Yahoo.

Concessão de espaços públicos para fins comerciais: esse debate precisa ser feito

Esta semana, o leitor Décio Hernandez me escreveu para sugerir que eu comentasse aqui no blog sobre a concessão de espaços públicos para bancas de jornal, que, na visão dele, muitas vezes atrapalham a circulação de pedestres. Outro leitor, o Mario Mariano, me enviou uma notícia sobre a concessão de uma área pública de 32 mil m², no município de Ferraz de Vasconcelos, para a construção de um shopping center e também pediu que eu comentasse o assunto.

A concessão de espaços públicos para as bancas de jornal foi regulada através da Lei 10.072, de 1986, e regulamentada pelo Decreto 22.709, do mesmo ano, que posteriormente, no ano 2000, sofreu algumas alterações. Em linhas gerais, a Lei define quem pode concorrer à permissão do uso da área (dois terços são licitados e um terço é reservado para viúvas, pessoas com invalidez permanente e idosos, mediante sorteio); estabelece o valor a ser pago anualmente pela permissão (20% do valor venal do m² do imóvel, por ano, de acordo com a região);  diz o que pode e o que não pode ser comercializado no estabelecimento; e coloca uma série de condições urbanísticas que precisam ser obedecidas.

Por exemplo, as bancas não podem ser instaladas em calçadas com menos de 3m (com algumas exceções) e não podem ocupar mais do que metade da largura da calçada. A área máxima permitida é de 30m² e o espaço destinado à circulação de pedestres tem que ser, no mínimo, de 1,5m. Além disso, as bancas não podem ser instaladas em frente a locais de grande circulação de pessoas, como hospitais, escolas, bancos e pontos de parada de transporte coletivo.

Na mensagem do Décio, ele chama a atenção, sobretudo, para essas questões urbanísticas. Para ele, muitas bancas “tomam um espaço público disputadíssimo, resultando em desconforto para os pedestres”. Ele citou como exemplo a banca na saída do metrô Vergueiro, que pode ser vista na foto abaixo. Por um lado, faz todo sentido esta reclamação, já que, visivelmente, os critérios urbanísticos não estão sendo respeitados ou são insuficientes.

Banca de jornal na saída do metrô Vergueiro (imagem do google street view)

Por outro lado – e é aqui que as mensagens do Décio e do Mário se aproximam – é importante questionar o uso do espaço público para uma atividade comercial, mesmo que esse uso seja oneroso e que a permissão seja concedida através de licitação. Se tivéssemos uma profusão de espaços públicos em nossas cidades – calçadas generosas, áreas de praças, parques, equipamentos esportivos, escolas e bibliotecas, por exemplo – seu uso comercial poderia ser considerado pertinente. Entretanto, como nós sabemos, não é esse o caso.