Será que conseguiremos evitar a instalação de um estado de exceção no Brasil durante a Copa e as Olimpíadas?

Ontem e hoje participei de um seminário sobre impactos urbanos em megaeventos esportivos, promovido pela FAU-USP, pelo Núcleo de Direito à Cidade do Departamento Jurídico XI de Agosto e pela Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada. Entre os participantes, havia pesquisadores da Grécia e da África do Sul, que já realizaram Jogos Olímpicos (Atenas) e Copa do Mundo. Também ouvimos o relato dos Commonwealth Games (os jogos das ex-colônias britânicas), que acabaram de acontecer em Nova Déli, na Índia.

Além da preocupação com os impactos urbanos, houve também toda uma discussão sobre violações de direitos no âmbito destes megaeventos. Entre os vários elementos colocados, acho que a principal preocupação, que deixou muitos participantes, assim como eu, chocados, é o fato de que, em função dos jogos e principalmente durante a sua realização, os países se comprometem a fazer uma espécie de suspensão da legislação em vigor em relação a vários aspectos.

Muitas vezes a justificativa para isso é a necessidade de fazer rapidamente as obras, de concluí-las a tempo para os eventos. E aí questões importantes como avaliação de impacto ambiental, procedimentos de licitações, e uma série de coisas que normalmente são exigidas, de repente não existem mais. E isso acaba provocando graves violações de direitos em muitas situações.

Ouvimos relatos principalmente de violações de direitos trabalhistas, especialmente na construção civil; ouvimos também relatos sobre o controle das áreas em volta dos locais dos jogos, da proibição do comércio local, inclusive da proibição de circulação de pessoas em determinadas áreas. Essas questões todas somadas caracterizam o que foi chamado no seminário de uma espécie de estado de emergência ou de exceção.

E a preocupação numa situação como essa é: até onde vai isso? Que tipo de controle a sociedade pode exercer? Onde estão as informações? E esta foi também uma das questões apontadas, a falta de transparência, a não disponibilidade das informações. O que vai acontecer? Onde? Quem vai ser atingido? Qual o prazo? Ao menos descobrimos que isso não é algo exclusivo do Brasil. Todos esses processos de realização de megaeventos como Copa do Mundo e Olimpíadas se dão dessa forma segundo as experiências relatadas.

Ninguém sabe nada, ninguém informa nada e as decisões são tomadas num âmbito que ninguém sabe exatamente qual é, mas que muitas vezes é bem diferente do âmbito normal de tomada de decisões já conhecido da população. Essa é uma preocupação muito grande. Será que no Brasil vamos conseguir fazer de forma diferente? Pelo que vimos até agora, não estou muito otimista. Mas ainda é tempo.

O Brasil terá ganhos sociais com a Copa e as Olimpíadas?

No último dia 5, a Folha Online publicou uma interessante matéria na qual compara os investimentos que estão sendo feitos para a Copa do Mundo de 2014 com os recursos investidos em habitação e saneamento básico por nove dos doze estados que sediarão os jogos.

Segundo a reportagem, o orçamento previsto pelos governos do Amazonas, Bahia, Mato Grosso, Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Distrito Federal apenas para as suas arenas – que são públicas (as de São Paulo, Curitiba e Porto Alegre são privadas) – é de R$ 4,8 bilhões, cerca de oito vezes os investimentos feitos em habitação – R$ 589 milhões – por estes estados juntos em todo o ano de 2009.

O orçamento previsto por estes estados para a Copa equivale ainda a cerca de quatro vezes o que foi investido no ano passado em saneamento básico – R$ 1,26 bilhão – e gestão ambiental – R$ 1,17 bilhão – e corresponde a 13 anos de investimentos em esporte e lazer.

Vale lembrar que estados como Pernambuco e Rio de Janeiro tiveram milhares de famílias desalojadas este ano por conta das chuvas. O empréstimo que o governo pernambucano contrairá com o BNDES para a construção da Arena Capibaribe (R$ 464 milhões) seria mais do que suficiente para a renovação ou reconstrução das casas das famílias atingidas no estado.

Commonwealth Games 2010 – Nova Dehli – Um estudo realizado pelo Housing and Land Rights Network sobre os Commonwealth Games de 2010 – que serão realizados na cidade de Nova Delhi, na Índia, em outubro – questiona os argumentos que defendem os megaeventos esportivos como grandes dinamizadores econômicos, especialmente em países em desenvolvimento.

Segundo o estudo, estes países estariam mais sujeitos a impactos negativos sobre suas finanças, gerando grandes endividamentos. A capital indiana adotou a prática constante de cortar gastos sociais para cumprir os prazos e compromissos dos jogos e já comprometeu seus próximos dois orçamentos anuais.

É regra que o orçamento previsto antes dos eventos ultrapasse as estimativas de gastos. Os Jogos Olímpicos de 1972 e 1976 já eram exemplo disso com o déficit gerado de cerca de US$ 1 bilhão para Munique e para Montreal.

A própria experiência brasileira do Pan do Rio, em 2007, também comprova que os investimentos reais sempre superam os valores estimados e demandam aportes extras, onerando os cofres públicos: a prefeitura declarou um gasto de mais de R$ 1,2 bilhão, contra os R$ 186 milhões previstos inicialmente.

Lições para o Brasil – Como já mencionei outras vezes, o Brasil tem condições de aprender com as experiências do passado e aproveitar os Jogos Olímpicos de 2016 e a Copa do Mundo de 2014 para realizar investimentos que significarão ganhos sociais para a população depois dos eventos.

Mas não é bem o que temos visto neste início de preparação para os jogos. Exemplos disso são os atrasos em obras de mobilidade urbana e a aprovação, pelo senado, de resolução que autoriza o endividamento de estados e municípios, fora dos limites previstos em lei, com obras da Copa e das Olimpíadas, sem que uma pauta mínima de investimentos sociais tenha sido incluída no portfólio dos investimentos das cidades.

Pessoas sem teto estão morrendo de frio em Nova Déli (Índia) e prefeitura continua a fechar albergues

Press release da Relatoria da ONU para o Direito à Moradia Adequada

A relatora especial da ONU para o direito à moradia adequada, Raquel Rolnik, expressa sua preocupação em relação às pessoas sem teto que morreram de frio recentemente em Nova Déli (Índia) e ao risco de morte de muitos outros, considerando o clima severo e a ausência de albergues suficientes.

Raquel chama a atenção para o fato de que o número de pessoas sem teto na capital indiana está crescendo e muitos albergues têm sido demolidos, sendo que as preparações para os Commonwealth Games de 2010 parecem ser “um dos fatores por trás do fechamento de vários albergues”. Em dezembro ocorreram várias demolições e despejos de moradores de rua, apesar do tempo frio.

“A vida de centenas de pessoas na Índia corre risco, com temperaturas próximas a zero grau”, alerta a relatora especial. Dez moradores de rua já morreram de frio em dezembro em Nova Déli. Na região norte da Índia, aproximadamente cem pessoas sem teto já morreram, nos estados de Uttar Pradesh e Bihar, em função do frio intenso que atingiu a região nas últimas semanas.

“Enquanto a população sem teto tem crescido desde 2007, o número de abrigos em Nova Déli foi recentemente reduzido de 46 para 24, em desacordo com o Plano Diretor da cidade de 2001 e ao Ato Municipal nº 1957”, afirma Raquel.

Em 22 de dezembro de 2009, a prefeitura de Nova Déli demoliu um abrigo temporário em Pusa Road, deixando 250 moradores de rua sem abrigo, o que foi relacionado à morte por hipotermia de duas pessoas. Apesar das medidas tomadas pelo Tribunal de Nova Déli em sete de janeiro, que ordenou o imediato restabelecimento dos abrigos e a proteção das famílias desabrigadas, a prefeitura ainda não forneceu o auxílio necessário. Mais de 400 pessoas já foram despejadas, neste mês, de uma área usada como abrigo em Pul Mitahi, Sadar Bazaar, onde vivem muitos operários que trabalham nas obras para os Commonwealth Games e famílias Dalit.

A relatora especial “apóia a ordem expedida pelo Tribunal de Nova Déli e exorta as autoridades a cumpri-la, suspendendo a demolição de abrigos de moradores de rua, fornecendo assistência imediata e abrigo adequado e não despejando mais pessoas sem teto no inverno”.