Nós não temos uma discussão pública transparente sobre zoneamento

Está nas mãos do Supremo Tribunal de Justiça (STJ) uma decisão que pode mudar o futuro dos bairros e loteamentos em todo o país. Em jogo está o respeito ou não às regras que foram criadas por particulares especificamente para esses lugares como, por exemplo, limitar a altura de prédios ou proibi-los, independentemente das leis definidas pelo poder público.

Essa é uma polêmica que vem de muito tempo. Antes de existir qualquer lei de zoneamento na cidade de são Paulo, muitas companhias urbanizadoras, como é o caso da companhia City, que lançou loteamentos como os da Cidade Jardim, do Embu, do Jardim Europa, da City Lapa, do Alto de Pinheiros, tinham cláusulas de contrato, na época em que foram vendidos estes lotes, que determinavam coisas do tipo “nesta área não se pode construir prédios, esta área é só residencial, aqui só se pode ocupar um pedaço do lote com construções, é preciso deixar os jardins dentro dos próprios lotes” e uma série de outros itens.

Depois disso, a partir de 1972, a cidade de São Paulo começou a adotar um zoneamento justamente com o objetivo de determinar o que pode e o que não pode ser feito, onde pode ou não construir prédios, qual a altura etc. Em geral, no caso de São Paulo, aqueles bairros foram acolhidos no zoneamento, sendo chamados na época de Z1 e hoje de ZRs, zonas exclusivamente residenciais.

Mas desde então existe um tensionamento entre o que dizem os contratos e o zoneamento. De um lado há uma pressão muito grande para que se mude o zoneamento, a fim de permitir o uso comercial dessas áreas, a construção de prédios etc. E com isso teve início uma briga muito grande na justiça, que hoje está no STJ, para saber se uma cláusula contratual entre particulares pode prevalecer sobre o zoneamento ou se é o zoneamento que tem que realmente dizer o que vale para a cidade.

A minha posição é a de que o zoneamento é que precisa dizer o que vale e o que não vale. Não dá para que cada particular resolva o que vai ser de uma área independentemente do que isso represente para o conjunto da cidade. Então o grande problema, a meu ver, é que muitos bairros residenciais que parecem estar sendo ameaçados o tempo todo pelo zoneamento, na verdade estão sendo ameaçados não porque o zoneamento se sobrepõe à cláusula contratual, mas porque nós não temos uma discussão pública transparente sobre o zoneamento, que permita que as pessoas consigam se manifestar e que a cidade consiga tomar essas decisões da melhor forma possível. No fim das contas, o zoneamento acaba sendo muito suscetível às pressões econômicas. E a questão continua no ar no STJ.