A Cidade é Nossa com Raquel Rolnik #15: Densidade urbana e pandemia, mitos ou verdades?

Quanto mais densos os bairros e cidades maior o contágio? Os números pelo menos até o momento não corroboram isso. Confira nossa perspectiva no décimo quinto A Cidade é Nossa.

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Independência e morte do Ipiranga

Sabem o riacho do Ipiranga?

Aquele cujas margens ouviram o brado retumbante de um povo heroico, palco do mítico grito de independência de dom Pedro 1º, retratado na obra de Pedro Américo e citado no hino nacional? Pois bem, esse símbolo brasileiro encontra-se altamente poluído e suas margens degradadas. Quem ousa seguir seu curso hoje -o que não é nada fácil- pode constatar o péssimo estado em que se encontra.

Sabemos que essa é a situação dos mais de 1.500 km de rios e córregos que temos em São Paulo. Sabemos também que na construção da cena da Independência, formulada na verdade bem depois de 1822 –o quadro de Pedro Américo é de 1888–, o rio, assim como vários outros elementos (os cavalos, os uniformes etc.), não é uma reconstituição realista, mas uma construção simbólica de um projeto de nação tal como formulado pelas elites políticas e culturais brasileiras já às vésperas da República. Por isso, falar sobre o Ipiranga, sujo e abandonado, em pleno 7 de setembro, é refletir sobre a relação dos rios com um projeto de cidade.

Quando Pedro 1º e sua comitiva passaram pelo Ipiranga, a região era tão somente um dos caminhos que levavam a São Paulo. É com a industrialização, no final do século 19, início do 20, que a área começa a ser ocupada. Ainda nesse período, a administração da província desapropria ali uma grande área, criando assim o que hoje chamamos de Parque Estadual das Fontes do Ipiranga, o que permitiu a proteção da mata e também da nascente do rio. Na época, isso visava garantir uma das fontes de abastecimento de água, a adutora Ipiranga, que foi desativada em 1930. No mesmo período começava a ser implementado o Jardim Botânico, dentro do parque estadual.

Nos anos 1970, porém, a rodovia dos Imigrantes corta o parque. Com a intensificação da ocupação da região, resíduos industriais e residenciais começam a ser despejados no rio. Canalizados, passando por baixo da rodovia ou próximos a outras grandes avenidas, cerca de 7 km de rio estão completamente poluídos. A medição mais recente que encontrei, de março de 2015, afirma que a qualidade da água é muito ruim. Nem fonte de abastecimento de água nem elemento da paisagem, o rio passa, assim, a ser tratado como um obstáculo a ser vencido em um processo de expansão da ocupação.

É no Jardim Botânico, com seus 360 mil m² de mata atlântica remanescente na cidade, que se encontra o único trecho preservado do Ipiranga, o córrego Pirarungáua, um dos formadores do rio. Esse trecho foi aberto em 2006 após décadas tampado com concreto e, em seguida, passou por um processo de revitalização. Hoje, quem chega ao Jardim Botânico encontra um córrego de águas límpidas, com peixes, integrando a paisagem. Além disso, é possível percorrer, em meio à reserva, uma trilha de 20 minutos que leva os visitantes até a nascente do Ipiranga.

A degradação do rio, assim como o esforço em recuperar sua nascente, corresponde de algum modo ao que estamos vivendo na cidade hoje: de um lado, o projeto hegemônico de destruição em nome da máxima rentabilidade do uso do solo, de outro, os desejos e movimentos de recuperação da relação dos paulistanos com seu território, redescobrindo o espaço público, inclusive seus rios.

*Publicado originalmente no Caderno Coitidiano da Folha.

Pra quem não vai brincar carnaval: hora de relaxar com um bom livro… sobre belas e enigmáticas cidades!

Para quem resolveu passar o carnaval longe da agitação da folia, nada melhor do que aproveitar o feriado para ler um bom livro de ficção. Romances falam de amor, paixão, ódio, mistérios, mas também falam de cidades… Para quem se interessar, preparei uma seleção de livros nos quais as cidades, mais do que cenários da trama, são seus personagens. Confiram abaixo!

A Trilogia de Nova York, de Paul Auster
Nos romances de Paul Auster, Nova York é o grande protagonista. Embora a cidade seja personagem em vários de seus livros, o grande clássico desse autor é a Trilogia de Nova York, composta pelos livros “Cidade de Vidro”, “Fantasmas” e “O Quarto Fechado”. No Brasil, os três livros saíram em um único volume, editado pela Companhia das Letras. São romances policiais que buscam associar a investigação de algum mistério a questionamentos sobre identidade e arte, dois âmbitos bastante associados ao ethos da cidade. Ah, para quem é fã de história em quadrinhos, o primeiro livro, “Cidade de Vidro”, está disponível em versão “graphic novel”, da editora Via Lettera, com ilustrações de David Mazzuchelli e Paul Karasik.

Bombaim: Cidade Máxima, de Suketu Mehta
Suketu Mehta é um escritor indiano que, após morar vinte anos em Nova York, resolveu visitar Bombaim (Mumbai), a cidade onde passou sua infância. O autor mergulha no cotidiano de uma das maiores e mais populosas cidades do mundo, mostrando seus conflitos e contradições, seus lados fulgurantes e ocultos. O livro acompanha não apenas o lado Bollywood e da alta sociedade indiana, mas fala também de prostituição, das gangues hindus e muçulmanas rivais, da situação da mulher na sociedade indiana, de suas favelas… Uma cidade intensa e caótica como São Paulo, que tem tudo e, ao mesmo tempo, nada a ver com esta. A edição brasileira é da Companhia das Letras.

A Cidade Ilhada, de Milton Hatoum 
Este é o primeiro livro de contos de Milton Hatoum, que fala sobre desejos e fracassos, literatura e viagem – e, claro, memória, tema-chave de seus livros. Embora a errância esteja presente nos contos, e os personagens circulem por diversos lugares, Manaus é o ponto recorrente: é seu traçado que encontramos em todos os contos, é ela que persegue os personagens e é a ela que eles sempre parecem retornar, mesmo em pensamento, mesmo na memória.

Texto originalmente publicado no Yahoo!Blogs, com adaptações.

Para fechar as férias, sugestões de livros e filmes enviadas por leitores

Para o último fim de semana das férias de julho, compartilho com vocês algumas sugestões de livros e filmes enviadas por leitores  e leitoras. Parecem boas dicas. Confiram abaixo!

# Livros:

Amilcar Zanelatto Fernandes sugeriu dois títulos do Ignacio de Loyola Brandão: “Não Verás País Nenhum” e “Zero”. Segundo o leitor, “são impressionantes as descrições da paisagem urbana nesses livros”.

# No cinema

Eleonora sugeriu o mais recente filme de Woody Allen, “Meia noite em Paris”, que está em cartaz em vários cinemas do país.

# Documentário

Maíra Gadelha indicou o filme “Entre Rios”, um documentário curtinho, de 25 min, sobre São Paulo, com direção de Caio Silva Ferraz. Segundo a leitora, o filme mostra a crescente degradação a que os rios foram expostos na gênese da cidade. Ela deixou um link para mais informações, onde também é possível assistir ao vídeo: http://urbanidades.arq.br/2011/05/entre-rios/

# Ficção

Paulo Takimoto indicou o filme “Linha de Passe” (2008), dos diretores Walter Salles e Daniela Thomas. Ele diz que o filme não tem a cidade como personagem central, mas, para ele, “é um dos filmes que melhor retrata, de forma muito sensível, uma São Paulo que poucas vezes vemos no cinema”.

E mais:

– Pra quem está de férias: nossas cidades em verso e prosa

– Mais sugestões para as férias: nossas cidades pelos olhos de alguns documentaristas brasileiros

– Mais um bom programa: ver e sentir a cidade através dos clássicos do cinema

Mais sugestões para as férias: nossas cidades pelos olhos de alguns documentaristas brasileiros

Há muitos documentários no Brasil em que a cidade aparece como personagem. Continuando minhas sugestões de programa para as férias, selecionei alguns títulos recentes: dois sobre movimentos de moradia no centro de São Paulo, um sobre a vida de moradores de cobertura, filmado no Recife, em São Paulo e no Rio de Janeiro, e outro sobre o minhocão, também em São Paulo. Mais sugestões são bem-vindas!

Veja abaixo mais detalhes sobre cada filme:

1. “À margem do concreto” (2005), de Evaldo Mocarzel
O documentário mostra a vida de lideranças do movimento de moradia no centro de São Paulo, acompanhando a rotina dos sem teto e seu modo de viver. A partir de uma perspectiva humanizada, o diretor mostra também ações de ocupação, suas dificuldades e conquistas.

2. “Dia de Festa” (2006), de Toni Ventura e Pablo Georgieff
Neste filme o problema da moradia em São Paulo é narrado a partir do olhar de quatro lideranças femininas do movimento sem teto: Neti, Silmara, Janaína e Ednalva. O documentário acompanha os preparativos para uma ação de ocupação simultânea em sete prédios desocupados da cidade. Saiba mais sobre o filme aqui.

3. “Um lugar ao sol” (2009), de Gabriel Mascaro 
Do alto de coberturas de três grandes cidades brasileiras – Recife, Rio de Janeiro e São Paulo – o diretor pernambucano investiga o olhar de oito moradores dessas habitações de luxo sobre a cidade. Isolamento social, insegurança, vaidade, status e poder são alguns dos temas que emergem do filme, que também nos faz pensar sobre a verticalização e o nosso modelo de cidade. Mais informações aqui.

4. “Elevado 3.5” (2010), de João Sodré, Maíra Bühler e Paulo Pastorelo
O documentário é conduzido a partir das histórias de diversas pessoas que vivenciam o cotidiano dos 3,5 km do minhocão, a via expressa construída no centro de São Paulo nos anos 1960. Do passado ao presente, de baixo pra cima ou de cima pra baixo, cada personagem constrói e reconstrói a história do minhocão. Mais informações aqui.