50 Anos: Brasília teve um papel fundamental na reestruturação do espaço e da economia nacional

Fala-se muito sobre Brasília e sua arquitetura inovadora, modernista, mas pouco se fala sobre o seu papel na reestruturação do espaço e da economia nacional. O Brasil tem uma história de desenvolvimento econômico muito ligada ao litoral e a penetração no interior do país é, sobretudo, um fenômeno econômico extremamente recente.

Neste sentido, Brasília teve o papel estratégico de abrir uma frente de expansão na direção do Centro Oeste, trazendo um conjunto de rodovias que a conectavam com Belém, com o Sudeste e com as várias capitais do país. A partir dali houve, claramente, dos anos 70 até hoje, um processo intenso de transformação da região.

Brasília não é nem melhor nem pior que todo o resto do Brasil. A cidade que tem um plano piloto que é um patrimônio da humanidade, com uma qualidade urbanística inegável, tem também no seu entorno, fora do retângulo que é o Distrito Federal, 21 cidades que estão hoje nos estados de Goiás e também de Minas Gerais, e que estão crescendo assustadoramente, abrigando pessoas que trabalham em Brasília. Hoje são quase 800 mil pessoas morando nessas cidades.

Entre elas estão Águas Lindas, Cidade Ocidental, Luziânia, Novo Gama, Santo Antônio do Descoberto, Valparaíso de Goiás, formando um primeiro anel com 40 a 50 km de distância Brasília. Depois vêm cidades como Abadiânia, Formosa de Goiás, num raio um pouco mais distante, até cidades que chegam a quase 100 km de Brasília. O interessante é que essa distância é medida com relação à rodoviária de Brasília.

Essas cidades apresentam IDH (Índice de Desenvolvimento Humano) tão baixo quanto os piores IDHs de países africanos. São cidades com altíssimas taxas de desemprego, cerca de 40%, com altas taxas de analfabetismo e também com altos índices de violência. E, por incrível que pareça, elas também fazem parte de Brasília.

Essas cidades não foram construídas de maneira planejada como foi Brasília. Digamos que houve e ainda há uma hierarquia. Primeiro, o plano piloto. Quem mora lá inclusive o chama de Ilha da Fantasia, porque é uma área onde, de fato, se vê pouquíssima ocupação informal, que tem todo um ordenamento, uma clareza na paisagem, um controle do uso e ocupação muito rígido e estruturado por um plano, tem os palácios de grande qualidade arquitetônica, enfim. Em volta do plano piloto há um cinturão de 20 a 30 km de áreas verdes, protegidas.

Depois disso, dentro do DF, vêm as cidades satélites, que foram projetadas, também como cidades modernistas, mas com uma qualidade urbanística muito inferior. Entre elas estão Ceilândia, Taguatinga, entre outras que serviram para erradicar as ocupações em Brasília. E, por fim, fora do retângulo do DF, sem nenhum planejamento, nenhum tipo de organização territorial, as cidades do entorno que hoje crescem muito mais do que o plano piloto e as cidades satélites.

50 Anos de Brasília: as polêmicas do concurso público para montar o projeto de construção da nova capital

A ideia de construir uma capital federal no coração do Brasil já era antiga, mas foi formalmente anunciada pelo presidente Juscelino Kubitschek no famoso comício na cidade de Jataí, em Goiás, apesar de ele mesmo, anos antes, ter defendido que a nova capital seria em Minas Gerais. De qualquer maneira, antes mesmo de ter o projeto e sem passar por qualquer processo licitatório, ele constituiu a companhia Novacap, que ficaria encarregada da construção da nova capital.

Depois disso, JK convidou Oscar Niemeyer para projetar a cidade e Niemeyer respondeu que achava que deveria haver um concurso público e que ele toparia participar da comissão desse concurso e também projetar os edifícios da nova capital. E assim foi feito. Com ajuda do IAB – Instituto dos Arquitetos do Brasil –, foi aberto o concurso. Houve uma polêmica inicial sobre se o concurso seria internacional ou nacional, e acabou virando nacional. 62 escritórios se inscreveram, mas apenas 26 equipes entregaram a sua proposta final. Muitos dos principais arquitetos brasileiros daquela época apresentaram projetos.

Foi montada uma comissão com dois estrangeiros, o próprio Niemeyer, um representante do IAB e um da Novacap. E o curioso é que, apenas três dias depois que chegaram os envelopes com as propostas, foi anunciado o vencedor, que era o projeto urbanístico do Lúcio Costa. O Paulo Antunes Ribeiro, que estava na organização do concurso, quis se retirar. Segundo ele, não foram feitas as análises de todas as propostas como deveriam e estava-se escolhendo o Lúcio Costa apesar de ele ter entregue apenas 3 folhinhas datilografadas e alguns croquis. No fim, a “turma do deixa disso” acabou ficando mesmo com o Lúcio Costa, que foi o grande vencedor com uma proposta modernista. E o Paulo Antunes Ribeiro não assinou o resultado final do concurso. Então, como se pode ver, a história de Brasília já começou com essa polêmica na escolha do urbanista que projetaria a capital.

De qualquer forma, vale muito a pena conhecer Brasília, que é uma das cidades mais interessantes do planeta, com uma proposta modernista integralmente implantada. O Plano Piloto, inclusive, é hoje tombado como patrimônio cultural da humanidade. Ele foi construído de uma maneira muito próxima à proposta inicial do Lúcio Costa, que tinha quatro escalas principais: um eixo monumental, onde estão os palácios e ministérios; a escala gregária, que é o lugar dos espaços comerciais, ali no cruzamento dos eixos, onde ficam a rodoviária e os centros comerciais; a escala residencial, que são as superquadras, nas asas do avião; e a escala bucólica, que são as enormes áreas verdes e jardins que permitem que Brasília seja permanentemente uma cidade onde o horizonte e o céu participam da paisagem.

Entretanto, já ocorreram várias mudanças em relação à ideia inicial. A ideia do Lúcio Costa era que, na medida em que o plano piloto ficasse muito ocupado, começariam a ser construídas as cidades satélites. Só que elas começaram a ser feitas antes mesmo da inauguração da capital, com o objetivo de remover as ocupações populares dos trabalhadores que foram construir a cidade e que não tinham onde morar. Como eles não conseguiram morar nos apartamentos e casas que foram construídos para os funcionários, acabaram montando favelas dentro do Plano Piloto. Para erradicar essas favelas, foram construídas as cidades satélites, as primeiras delas a 25 km do plano. E hoje, dos mais de 2 milhões de habitantes que moram em Brasília, apenas 400 mil vivem no plano piloto. A grande maioria vive ou nas cidades satélites, ou mais distante ainda, fora do Distrito Federal, nas chamadas cidades do entorno.