“Ciclopassarela” ligando a USP ao Villa Lobos: mais um projeto solto

O governo do Estado de São Paulo anunciará nos próximos dias a construção de uma “ciclopassarela” que ligará a USP ao Parque Villa Lobos e às ciclofaixas de lazer da marginal Pinheiros. A informação saiu ontem em alguns veículos de imprensa. Me chama a atenção a quantidade de ideias e projetos anunciados nesta área – eventualmente até  realizados – sem nenhuma conexão entre si, com o bairro, a região e a cidade.

De acordo com matéria da Folha Online, para viabilizar o projeto um pedaço do muro que separa a USP da marginal Pinheiros terá que ser derrubado. Ninguém está pensando em derrubar o muro a partir de um projeto urbanístico que relacione a USP com a cidade. Hoje já temos uma ciclofaixa de lazer que vai até o portão da USP, mas não entra, até porque a universidade fica fechada nos finais de semana. O que vai acontecer com essa “ciclopassarela”? A USP será finalmente aberta?

Outra questão que já abordei aqui no blog é que São Paulo vem construindo ciclovias e ciclofaixas apenas de lazer, ignorando a enorme quantidade de pessoas que utiliza a bicicleta como transporte diariamente. Com isso a priorização das ciclofaixas é questionavel, e mais ainda seu desenho, já que o elemento fundamental da integração da bibicleta como meio de trasnporte é sua  ligação com a rede de trem , metrô  e corredores de  ônibus.

O caso da ciclopassarela da USP é emblemático: uma estação de metrô foi inaugurada sem que sua ligação com a universidade tenha até hoje sido equacionada de forma decente (hoje o percurso deve ser feito de ônibus, sujeito aos congestionamentos infindáveis no Portão 1). A ligação da USP com a estação de trem da CPTM é  outro absurdo! E, agora, uma ciclopassarela, um novo investimento no mesmo lugar, não resolve nenhuma das questões colocadas… Haja des-planejamento!

Bicicleta: forma de lazer ou modo de transporte?

Itaú e Bradesco estão disputando quem poderá instalar um sistema de aluguel de bicicletas na cidade de São Paulo. O Itaú já explora o serviço no Rio de Janeiro, desde outubro do ano passado, em parceria com a prefeitura. Lá o sistema conta com 600 bicicletas, espalhadas em 60 pontos de bairros da zona sul e do centro. Não é muito difícil imaginar onde serão os pontos de aluguel em São Paulo…

Aqui a previsão é de que sejam disponibilizadas entre 3 mil e 5 mil bicicletas, com a primeira hora de uso gratuita, como acontece no Rio. A partir da segunda hora são cobrados R$ 5 por hora, mas não há limites no número de viagens diárias — com um cadastro mensal que custa R$ 10,00 é possível realizar várias viagens diárias desde que cada viagem não ultrapasse 60 minutos e que haja um intervalo de 15 minutos entre cada uma. Para saber mais, clique aqui.

Poder acessar uma bicicleta para percorrer pequenos percursos ao longo do dia é, evidentemente, uma iniciativa muito positiva, mas, tanto pelo baixo volume de bicicletas (para se ter uma ideia, em Paris, um sistema semelhante disponibiliza 20 mil bicicletas em 1.800 estações), quanto pelo custo e modelo (várias pequenas viagens ao longo do dia), o sistema termina sendo voltado muito mais para lazer e turismo do que para as necessidades da população que realmente usa a bicicleta como meio de transporte diário, sobretudo casa-trabalho ou casa-escola.

O mesmo podemos afirmar em relação às iniciativas recentes de implantação de ciclofaixas e ciclovias nas cidades brasileiras — como é o caso das ciclofaixas de domingos e feriados  em São Paulo, que hoje conectam parques da zona oeste e sul, ou das ciclovias à beira mar em algumas cidades. Nada contra sua existência, apenas cabe a pergunta: a que ciclistas elas atendem?

O fato é que iniciativas como essas não dão conta da real demanda da população com relação ao transporte não motorizado (a pé e por bicicleta). Segundo a última pesquisa Origem e Destino do metrô, aplicada na Região Metropolitana de São Paulo, esse tipo de deslocamento teve um aumento de 18% entre 1997 e 2007. De acordo com a pesquisa, em 2007, dos 304 mil usuários de bicicleta de São Paulo, 61,5% tinham renda familiar de até R$ 1.520,00. Além disso, 22% das viagens de bicicleta têm por motivo o alto custo da condução e 57%, a pequena distância da viagem – imagino que aí estejam incluídas as milhares de pessoas que se deslocam de bicicleta até a estação de trem e de lá seguem para o trabalho em várias regiões do município ou em cidades da Região Metropolitana, como Suzano, Mauá e outras. Segundo reportagem especial do Jornal da Band esta semana, mais da metade das 60 milhões de bicicletas que existem hoje no país são usadas pela população para ir ao trabalho.

Para essas pessoas, para quem a bicicleta é meio de transporte cotidiano, é preocupante a quase total ausência de políticas públicas de mobilidade urbana que incluam a bicicleta como modo. É importante lembrar que, no ano passado, a Secretaria de Transportes de São Paulo tinha previstos em seu orçamento R$ 15 milhões para o desenvolvimento do Plano de Mobilidade da cidade e nada fez; isso também vale para outras cidades: em Fortaleza, por exemplo, desde 2010 foi aprovada a Lei 9.701, que trata do Sistema Cicloviário, mas suas determinações nunca saíram do papel.

É muito positivo que em nossas cidades estejam crescendo, ainda que lentamente, a quantidade de ciclovias e ciclofaixas e que sistemas de aluguel de bicicletas estejam sendo implementados. Mas essas iniciativas precisam ter foco e prioridade, ou seja, precisam ser parte de políticas de mobilidade que compreendam a bicicleta como meio de transporte utilizado por milhares de pessoas nas cidades.

Publicado originalmente no Yahoo! Colunistas.

Por que a Lei que exige ciclovias nas estradas paulistas não foi implementada?

Quase treze anos depois da aprovação da Lei 10.095, que prevê a construção de ciclovias nas estradas estaduais de São Paulo e em terrenos marginas às linhas férreas, nossas estradas continuam sem ciclovias.

De 1998 – ano da aprovação da Lei – para cá, foram construídos 4.542 novos quilômetros de estradas, enquanto as ciclovias contam com pouco mais de 17km, somando três pequenos trechos de estradas estaduais.

A Lei prevê também a elaboração de um programa para planejar a construção de ciclofaixas e ciclovias nas estradas construídas antes de 1998. Isso também não foi feito.

De acordo com matéria publicada ontem pelo Estadão, as bicicletas têm sido proibidas de circular no acostamento das rodovias. As concessionárias afirmam que a proibição existe para “garantir a segurança dos ciclistas” e que ainda não construíram as ciclovias por conta da falta de regulamentação do programa. Já a Secretaria de Transportes afirmou à reportagem que vai criar ainda este ano um grupo de estudo para a elaboração do Plano Cicloviário do Estado.

Esse fim de semana fui para o interior de São Paulo e gastei R$ 44,00 na ida e  R$ 52 na volta de pedágio. Com a fortuna que pagamos às concessionárias, não há nenhuma justificativa para que esta Lei não esteja sendo cumprida, a não ser o profundo desprezo por tudo que não é transporte motorizado sobre pneus…