Está tramitando na ALESP, em regime de urgência, o PL 529, de autoria do governador de São Paulo, que será votado amanhã (18/08). O texto é perigoso, pois não apenas extingue importantes órgãos como o Instituto Florestal, a CDHU e a EMTU, sem colocar nada no lugar, como permite que se retire fundos das universidades estaduais e FAPESP. É sobre isso que fala o episódio 22 do A Cidade é Nossa, produzido por Raquel Rolnik e Amanda Mazzei, da equipe do LabCidade. Para ouvi-lo na sua plataforma de podcast favorita acesse: spotify, apple podcasts, google podcasts e overcast.
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“De cidade só tem o nome”
Esta foi a expressão utilizada por uma moradora de Cidade Tiradentes, na Zona Leste de São Paulo, em entrevista concedida à reportagem do Estadão na semana passada, sobre o lugar onde vive. No maior aglomerado de conjuntos habitacionais do país, vivem 147 mil pessoas, em quase 40 mil apartamentos populares, exclusivamente de baixa renda, que foram construídos a partir dos anos 1980 na extrema periferia da cidade, sem espaços comerciais, sem equipamentos públicos, com precaríssimas opções de transporte e mobilidade. Em suma: moradia sem cidade.
Trinta anos depois, o comércio que existe hoje funciona nos puxadinhos feitos pelos moradores e a população do bairro aguarda que algum dos sucessivos anúncios de chegada de transporte coletivo de qualidade – metrô, fura-fila, monotrilho? – seja implantado. Sem dúvida, o caso de Cidade Tiradentes é uma situação extrema. Mas, infelizmente, este continua sendo o modelo que tem caracterizado a produção habitacional popular em todo o país. O resultado, como não podia deixar de ser, é absolutamente perverso: “favelização”, formação de guetos e reforço do apartheid social.
Qual o pecado original dessa política? São, pelo menos, dois: o fato de se tratar de uma política de moradia e não de cidade, e a proposta de homogeneidade social. A localização e a relação com a cidade já construída é o ponto fundamental de enlace entre estes dois aspectos, já que, dependendo de onde são construídos, os conjuntos podem ou não ter acesso a equipamentos, serviços e empregos. A localização determina, inclusive, a possibilidade ou não de uma heterogeneidade social.
Mas seria inexorável a baixíssima qualidade urbanística da moradia popular? De forma alguma. Mesmo no Brasil, nem sempre foi assim. No livro “Os pioneiros da habitação social”, ainda inédito, o urbanista Nabil Bonduki mostra que muitos projetos dos IAPs (Instituto de Aposentadoria e Pensão), dos anos 1930 e 1940, eram de altíssima qualidade urbanística e arquitetônica. Além disso, ao longo das últimas décadas, existiram vários projetos qualificados e generosos, construídos por autogestão dos próprios beneficiários, com apoio de assessorias técnicas e com custos tão baixos quanto o dos modelinhos das COHABS e CDHUs.
E hoje? O Programa Minha Casa Minha Vida, baseado não mais na produção das companhias públicas, mas em produtos de construtoras privadas, está conseguindo enfrentar este tema? Pelo andar da carruagem, parece que continuamos reproduzindo os mesmos erros: o modelo é centrado apenas na construção de unidades habitacionais, sem que áreas comerciais, equipamentos públicos (de saúde, educação e lazer, por exemplo) e políticas de transporte público sejam parte dos projetos. Sem que a equação da localização tenha sido enfrentada…
Além disso, apesar de prever um limite de tamanho máximo para os conjuntos habitacionais, de 500 unidades, o Minha Casa Minha Vida não tem controle sobre o somatório dos projetos das construtoras, que acabam construindo conjuntos muito próximos uns dos outros, gerando – sem querer – enormes conglomerados homogêneos… Parece que já vimos esse filme: Cidade Tiradentes, o retorno?
Texto original publicado no Yahoo! Colunistas.
Apenas recursos abundantes para construção de casas não resolvem os desafios das cidades brasileiras
Programas federais e estaduais que disponibilizam recursos volumosos para construção de habitações populares, como o Minha Casa Minha Vida e os do CDHU (no Estado de São Paulo), são insuficientes para dar conta de enfrentar os desafios do desenvolvimento urbano nos municípios brasileiros. Veja abaixo matéria sobre este tema publicada no Jornal Valor Econômico no dia 26/07.
Prefeituras queixam-se dos gastos com infraestrutura Valor Econômico
As prefeituras de São Paulo vivem uma contradição com o reforço dos investimentos dos governos federal e estadual em moradias populares. Ao mesmo tempo em que comemoram o combate ao déficit habitacional, os municípios preocupam-se com gastos extras com infraestrutura, saúde e educação para acompanhar as moradias. Prefeitos e secretários elogiam a injeção de recursos, mas reclamam da perda de espaço na formulação de políticas para a área.
Santa Isabel, na Grande São Paulo, deve receber até o fim do ano 262 moradias da estadual Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano (CDHU). Próximo ao bairro em que o conjunto habitacional está sendo construído, há apenas uma escola de ensino fundamental, que não comportará o aumento de alunos. Não há posto de saúde, nem linha de ônibus. O bairro não tem água tratada nem esgoto canalizado. A prefeitura ficou responsável pelo tratamento de esgoto e da captação de água dentro do conjunto habitacional, mas diz que não tem recursos para construir escola e posto de saúde para atender a essa população.
Na cidade de Embu, na região metropolitana paulista, estão previstas 948 unidades da CDHU e 17 do programa federal “Minha Casa, Minha Vida” (MCMV). A perspectiva de novas moradias na cidade atraiu moradores da capital. O prefeito de Embu, Chico Brito (PT), preocupa-se: “A cidade já tem um crescimento habitacional acima da média do Estado e quando o governo anuncia a entrega de casa, vem mais gente ainda. Não conseguimos atender à demanda”. Brito pede auxílio às gestões estadual e federal. “Além das casas, os governos têm de prever recursos para a infraestrutura.”
As moradias entregues pelo “Minha Casa, Minha Vida” e pela CDHU são essenciais para diminuir o déficit, dizem secretários e prefeitos. No
entanto, eles reclamam que os municípios perderam poder para elaborar políticas habitacionais. “As prefeituras não podem ficar só como receptoras das políticas federal e estadual. Assim resolvemos só problema da falta de teto, não da política habitacional”, diz o prefeito de Embu.
Para o urbanista do Instituto Pólis, Kazuo Nakano, os programas estadual e federal se sobrepõem às políticas locais. “Sem planos habitacionais
definidos no Estado e nos municípios, o critério para a escolha de onde construir dos dois programas passa a ser onde há terreno disponível, se
perdendo a finalidade de priorizar os locais com maior problema de déficit habitacional”, diz ele.
As prefeituras estão sentindo a falta de ter planos diretores, segundo Inês Magalhães, secretária de Habitação do Ministério das Cidades. Ela explica que a regulamentação do uso do solo e a demarcação de áreas para investimentos em habitação popular já deveria ser tarefa realizada pelas administrações municipais. “Sem isso realmente é difícil.”
Um exemplo é Carapicuíba, última cidade da região metropolitana da capital a elaborar o Plano Diretor. “Temos primeiro de saber qual é a demanda. Se não tiver planejamento, não tem como investir recursos”, diz o secretário de Habitação de Carapicuíba, Alexandre Pimentel. A secretária de São Bernardo do Campo, Tassia de Menezes, reforça: “É o Plano Diretor que vai dizer que área vai ser usada para empreendimento social e impedir que proprietários façam especulação imobiliária. Os municípios têm que fazer tarefa de casas para desenvolver política habitacional”, comenta Tassia.
O Plano Diretor ajudaria os municípios a combater um dos principais problemas enfrentados pelos programas habitacionais: o preço do terreno. Na Região Metropolitana de São Paulo, onde o metro quadrado é mais caro, prefeituras reclamam que o teto de R$ 52 mil das habitações do MCMV para o público de até três salários mínimos é insuficiente. A resposta do governo federal é de que nesses casos, prefeituras e Estados têm que entrar com mais subsídios, como a doação dos terrenos.
Secretários de municípios sem condição de dar a contrapartida dizem que o mais vantajoso nesses casos é a CDHU. Santa Isabel, por exemplo, deve receber 262 habitações da CDHU e, até agora, tem apenas cinco contratos do MCMV. A secretária municipal de Habitação, Maria Angela Sanchez, explica que as construtoras não conseguiram apresentar um projeto dentro desse valor e o orçamento do governo municipal não comporta um subsídio. É o mesmo problema enfrentado por Carapicuíba, cujos terrenos se valorizaram depois da construção do Rodoanel. “Só com o Plano Diretor é que vamos conseguir “congelar áreas para construir moradias populares”, disse o secretário Alexandre Pimentel.
Com condições orçamentárias para bancar a contrapartida, o governo de São Bernardo do Campo prefere o programa federal ao estadual por ser mais rápido. “É a alternativa mais rápida e barata para atender a demanda. Se fôssemos construir sozinhos, gastaríamos R$ 70 mil. É mais vantajoso subsidiar com R$ 20 mil”, explica a secretária de Habitação, Tassia de Menezes.