
Foto: Thiago Borba/Divulgação
Na tentativa de regular o carnaval, a Prefeitura de São Paulo encerrou na semana passada uma consulta pública sobre a “Cartilha do Carnaval de Rua 2018”, um documento que define normas e obrigações a serem cumpridas pelos blocos que desejarem atuar na cidade nos dias da festa. A cartilha tem sido questionada. O Fórum dos Blocos de Rua, que conta com 145 grupos carnavalescos, publicou um manifesto e encaminhou à Prefeitura sugestões sobre a ela.
Desde que a folia começou a crescer na cidade, ganhando suas ruas, o poder público municipal tem procurado intervir na organização da festa, definindo trajetos, fechando ruas, distribuindo horários e disponibilizando banheiros químicos, equipes de atendimento médico e de segurança (policiais, bombeiros e etc).
Estas ações, além de procurar garantir o espaço adequado para a realização da festa, também têm buscado reduzir o máximo possível o incômodo causado às pessoas que não querem participar da festa. Parece razoável, então, a existência de alguma regulação, desde que, evidentemente, esta seja construída em diálogo com os blocos e os cidadãos.
Esta cartilha, entretanto, caminha em outra direção. Primeiro porque trata a saída dos blocos como “desfile”, uma espécie de espetáculo produzido para ser visto, contrariando a natureza do carnaval de rua, cujo sentido está na experiência dos que dele participam e, portanto, nada tem a ver com a produção de um show.
Além disso, o documento joga para os blocos a responsabilidade de garantir segurança – através da contratação de equipes de segurança e bombeiros, proporcionais à expectativa de público –, sendo que os blocos maiores, inclusive, teriam que providenciar planos de resgate e isolamento da área percorrida pelo bloco. Estabelecer os limites do “regular” e do “disciplinar” o carnaval é uma questão bem central, na medida em que é da natureza mesma dessa festa seu caráter anárquico, descentralizado e profano, e que um dos seus principais elementos é, justamente, uma espécie de suspensão de regras.
O filósofo russo Mikhail Bakhtin, ao escrever sobre o carnaval na Idade Média, afirma que este é uma manifestação deliberadamente não oficial – exterior à Igreja e ao Estado –, que parece construir, durante alguns dias, um segundo mundo, uma segunda vida, criando uma espécie de dualidade. Sendo assim, o carnaval inverte – e subverte – a disciplina cotidiana.
As exigências e determinações contidas na cartilha, além de desconsiderar a natureza da folia, aumentam os custos para os blocos, que normalmente são autofinanciados e geridos por seus próprios componentes, apostando no incremento dos patrocínios e no “empresariamento” da festa. Quem deve cuidar das condições básicas para que o carnaval aconteça na cidade é a própria Prefeitura e o governo estadual, de acordo com as competências de cada um. Aliás, a Prefeitura , desde já alguns anos, tem mobilizado patrocinadores para que isso ocorra sem onerar demasiadamente os cofres públicos.
Falei sobre esse assunto na minha coluna da última quinta-feira (24) na Rádio USP. Ouça íntegra aqui.