
Foto: Tânia Rêgo/Agência Brasil
Com estas palavras, o Conselho de Arquitetura e Urbanismo do Brasil (CAU) e o Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB) iniciam o texto de uma Carta Aberta aos Candidatos nas Eleições de 2018 pelo Direito à Cidade. Resultado do “Seminário Nacional de Política Urbana: por cidades humanas, justas e sustentáveis”, que em julho reuniu arquitetos e urbanistas em São Paulo, o documento é extenso, contendo 53 propostas, estruturadas em três eixos: um projeto nacional baseado (1) na territorialização das políticas, (2) governança urbana inovadora e (3) democratização da gestão.
No campo da territorialização, o que temos hoje são iniciativas num formato único, desconectadas entre si, e específicas para a construção de casas, transporte coletivo, e saneamento, por exemplo. No lugar disso, políticas e programas que considerem a diversidade e a especificidade de cada região, a integração em cada território, que ofereçam assistência técnica gratuita para projetos de construção de habitações de interesse social.
Em relação ao tema da governança, o documento reforça a necessidade da descentralização na definição e na execução das políticas, propõe o fortalecimento do Ministério das Cidades e o restabelecimento do Conselho Nacional das Cidades.
Em relação ao tema da gestão, o documento assinala que é preciso avançar no sentido de garantir que os governos locais sejam mais fortes, autônomos, transparentes e democráticos, ampliando os mecanismos de controle social por parte da sociedade.
O documento afirma também a necessidade de revisão da Lei de Licitações, especialmente na incorporação por parte desta legislação de poder contratar obras sem que os projetos tenham sido previamente detalhados. Desde as obras para preparação das 12 capitais que sediaram a Copa do Mundo 2014 e as Olimpíadas 2016, o Estado recorre ao regime direto de contratação de empreiteiras. Dessa forma, o poder público pode contratar obras, sem que haja apresentação prévia de um projeto detalhado.
Incluída em nome da “celeridade” nos processos de contratação públicos, tema de fato relevante, a adoção deste mecanismo entrega para as empreiteiras as definições do que se fará nas cidades. A Carta Aberta aposta na direção contrária: cidades planejadas e projetadas, de forma solidária e inclusiva, como um dos pilares da necessária construção democrática do país.
Confira em detalhes as 53 propostas da Carta Aberta:
1. Projeto nacional baseado na territorialização das políticas públicas
- Assegurar investimentos massivos em infraestrutura urbana e em serviços públicos e sociais nas periferias;
- Criar uma política habitacional por meio de programas diversos, inclusive locação social;
- Fomentar o uso da Lei de Assistência Técnica Pública e Gratuita para o Projeto e Construção de Habitações de Interesse Social;
- Retomar os programas de urbanização de favelas;
- Investir em segurança pública associada às políticas de desenvolvimento urbano inclusivo;
- Investir na ampliação, integração e qualificação da rede de transporte público de massa de forma integrada à produção de moradia social;
- Criar o Fundo Nacional de Desenvolvimento Urbano Integrado visando articular os recursos para as regiões metropolitanas;
- Valorizar os centros históricos, adotando políticas ambientais e culturais que preservem seu patrimônio; estimulando o uso de imóveis e terrenos ociosos; promovendo a mobilidade urbana não-motorizada e a qualificação dos espaços públicos;
- Democratizar o acesso ao crédito imobiliário para possibilitar a atuação de pequenos empreendedores tecnicamente habilitados;
- Promover o apoio técnico para o planejamento das cidades médias em processo de crescimento demográfico;
- Fomentar a produção da agropecuária familiar e a pesca para fortalecer as pequenas cidades;
- Enfatizar a dimensão ambiental no planejamento urbano e territorial a partir dos ecossistemas nacionais e suas especificidades;
- Investir na ampliação e qualificação da rede ferroviária e hidroviária visando maior integração do território nacional.
2. Governança urbana inovadora
- Garantir a autonomia técnica do Ministério das Cidades;
- Restabelecer o Conselho Nacional das Cidades;
- Descentralizar a definição e execução das políticas públicas para o desenvolvimento urbano, a partir de uma política nacional que possibilite a incorporação de políticas regionais e locais para garantir a sua efetividade;
- Revisar a Lei de Licitações com o objetivo de garantir uma maior transparência na contratação de obras públicas;
- Cumprir as metas previstas da Agenda 2030, especialmente o Objetivo 11 (“tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis”).
3. Democratização da gestão dos territórios, em especial
- Fortalecer o governo local das cidades, que deve prevalecer, sem prejuízo do desenvolvimento regional e nacional;
- Restabelecer e ampliar os mecanismos de participação popular nas decisões afetas às políticas públicas que tenha ação direta sobre o direito à moradia, ao transporte público de qualidade e à cidade;
- Disponibilizar as informações de banco de dados georreferenciados e em formato aberto, democratizando o acesso e possibilitando a análise pela sociedade.
Fico triste em ver que mais uma vez a questão ambiental no âmbito das grandes cidades fica relegada a um plano secundário quando deveria ocupar o mesmo patamar da saude e educação por exemplo.
No mais, o que significa ‘urbanização de favelas’? Mais adiante o texto destaca que é preciso ‘enfatizar a dimensão ambiental no planejamento urbano’. Nas grandes metrópoles brasileiras especialmente em São Paulo – a mais crítica de todas – essas questões estão colocadas em campos opostos, antagônicos. Graças à atuação de grupos auto intitulados pró-moradia como MTST e FLM as áreas ambientalmente protegidas por lei estão sendo dizimadas por esses movimentos e suas ações predatórias. Diante de mais uma crise hídrica que se prenuncia torna-se desnecessário clamar pela preservação das áreas de proteção de mananciais, justamente as mais agredidas por tais movimentos. Para quem não conhece, sugiro que pesquisem no Google o Parque dos Búfalos.
Desalentador que um documento tão importante como esse tenha tirado do primeiro lugar da pauta de discussões as explosivas questões socio/ambientais. Talvez ainda demore mas chegará um dia que os planejadores vão entender que a proteção das áreas verdes nas nossas metrópoles é questão de vida ou morte das grandes cidades.