
Desfile Bloco do Beco, no Jardim Ibirapuera, em São Paulo. Foto: Divulgação/Facebook
Quem esteve em São Paulo nos dias de carnaval e circulou pelos blocos da cidade vivenciou uma experiência rara na metrópole paulistana: a ocupação das ruas pela festa. Seguir as bandas e trios elétricos era entrar em contato com a cidade de uma forma distinta daquela a que estamos acostumados: não enquadrada pelos tempos e ritmos do trabalho e da circulação, e sim embalada pelos sons da festa.
Mas, afinal, quem foram as pessoas que estiveram nas ruas brincando o carnaval e também tomando o espaço da cidade por algumas horas/dias?
É impossível responder a esta pergunta inteiramente. Uma multiplicidade de festas aconteceu dentro da festa: uma enorme variedade de músicas e ritmos, mas também de fantasias, ironias e, particularmente neste carnaval, de palavras de ordem, como uma espécie de continuação de junho 2013, que não acabou…
Neste curtíssimo espaço, vou falar apenas de um dos gritos que esteve presente, entre tantos outros, nas ruas carnavalescas: “a cidade é nossa” – uma espécie de síntese das reivindicações de movimentos socioculturais atuantes em São Paulo já há mais de uma década, que vão na direção da apropriação do espaço da cidade, especialmente os espaços públicos, por seus moradores.
A existência crescente de praças e parques, o uso cada vez mais disseminado das bicicletas, as festas, encontros e manifestações de rua: não apenas uma, mas várias mudanças nas formas de relacionamento dos moradores com o espaço público vão desconstruindo a cidade fragmentada, fechada em muros, a cidade dos enclaves e guetos, procurando ultrapassar fronteiras reais e imaginárias.
O grito “a cidade é nossa”, porém, encontra eco não apenas no carnaval e na embriaguez das baladas de rua, mas também no cotidiano de uma cidade que tem negado possibilidades de existência para centenas de milhares de moradores, recusando sua permanência em casas, bairros, quebradas e ocupações onde construíram territórios de vida lá onde existia apenas mato, abandono ou degradação. As lutas pela moradia e contra remoções presentes nesses territórios se somam a uma diversificada e potente cena político-cultural que afirma a riqueza destes lugares, apesar do estigma e das políticas discriminatórias a que estão permanentemente sujeitos.
Por fim, “a cidade é nossa” é uma resposta àqueles que veem nos espaços e serviços públicos da cidade – assim como nos locais privados – apenas uma fonte de rentabilidade para os capitais investidos, sem relação ou conexão com os desejos e necessidades da gente que aqui habita. “A cidade é nossa” afirma que São Paulo é nosso bem comum, nossa propriedade coletiva. Não é do prefeito, vereador, governador, presidente, nem do partido, da empreiteira ou do juiz. Não está à venda, e, sendo nossa, só nós mesmos é que podemos decidir sobre seu futuro.
Texto originalmente publicado no Portal Yahoo!
Belíssimo texto!