Entrei na Rua Augusta a 120 por hora

A ação narrada na música que fez enorme sucesso nos anos 1960 na voz de Ronnie Cord seria hoje impensável… Entrar na Rua Augusta a 120 por hora? Não só porque nem mesmo de madrugada o trânsito permitiria uma velocidade dessas, mas, sobretudo, porque hoje sabemos que carros em alta velocidade matam. E matam muito! A cultura dos automóveis velozes e furiosos, tão sedutora e tão estruturadora das utopias urbanísticas do século passado, está chegando ao fim.

Mas, assim como outras utopias falidas, essa, embora agonizante, ainda domina o imaginário e as formas de pensar e viver de muitos moradores nas cidades contemporâneas. É mais ou menos isso o que estamos vivendo com a mais nova polêmica sobre a mobilidade na cidade: a redução da velocidade máxima das marginais Pinheiros e Tietê, e também das avenidas Aricanduva e Jacu-Pêssego, na Zona Leste.

Recentemente, assistindo a uma série de TV norte-americana ambientada nos anos 1950, me impressionou a distância que nos separa daquele mundo de pessoas fumando sem parar e dirigindo a toda velocidade, com crianças pulando no porta-malas do carro e motoristas com uma cervejinha na mão… Apesar dos lobbies das indústrias do tabaco, automobilística e de bebidas alcoólicas, não existe mais cidade no mundo que permita isso, já que o argumento de que se trata de uma cultura assassina foi suficientemente evidenciado e prevaleceu.

Aceitamos e saudamos essa mudança porque queremos viver mais. Mas é necessário assinalar também que à vertigem da velocidade dos automóveis correspondeu um modelo de urbanismo que tem na construção de vias expressas um de seus elementos estruturadores.

Poucas grandes cidades do mundo escaparam dessas intervenções entre os anos 1970 e 1980. Elas rasgaram bairros e desestruturaram territórios inteiros em nome da alta velocidade. Que mata.

Hoje, essas vias estão sendo demolidas ou, pelo menos, convertidas em avenidas, numa tentativa, nem sempre bem-sucedida, de reconstituição dos bairros destruídos. Não tenho dúvida de que acabou a era das rodovias dentro das cidades.

A medida de diminuição das velocidades máximas, que tem como objetivo reduzir o número de acidentes e mortes no trânsito, não é nova nem aqui nem em outras partes do mundo. Desde a gestão Kassab, São Paulo vem experimentando a redução dos limites em diversas vias. Em Londres, hoje, o desafio é reduzir ao limite de 32 km/h a velocidade máxima em 25% das vias da cidade. Paris também vem reduzindo velocidades e tem a meta de, até 2020, estabelecer o limite de 30 km/h em suas principais vias.

Assim como a redução dos limites de velocidade, muitas das ações da atual gestão municipal na área da mobilidade correspondem a uma nova maneira de pensar a cidade. Mas a prefeitura falha ao não lançar seus argumentos e estudos técnicos a um amplo debate público antes de adotar tais medidas.

Sem dúvida queremos construir, hoje, um futuro sob outros parâmetros, sem mortes no trânsito, com a valorização do transporte coletivo, dos meios não motorizados, dos espaços públicos, do meio ambiente, enfim, da vida. Mas isso significa mexer com práticas, modos de vida e usos do espaço profundamente enraizados, o que não é nada fácil.

*Coluna originalmente publicada no Caderno Cotidiano da Folha.

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8 comentários sobre “Entrei na Rua Augusta a 120 por hora

  1. Hoje um carro capotou na Marginal Pinheiros à 60 km/h presume-se, já que o limite está em vigor e existem vários radares antes e depois do local do acidente.
    Não sei se resolverá a questão dos acidentes com limite de velocidade menor. É certo que quanto maior a velocidade maior as consequências acarretadas pelo acidente, mas, isso não vai resolver.
    Enquanto o povo comprar licença para dirigir e for para a rua sem a mínima condição de dirigir os acidentes continuarão a ocorrer.
    Não se investe um centavo em segurança de trânsito, não só em São Paulo, mas no país todo. não são raros os dias que ocorrem acidentes nas marginais, mas, também, ocorrem outros graves fora das marginais. Recentemente um amigo meu havia comprado um carro zero e no dia seguinte numa rua comum uma pessoa passou no sinal vermelho, (verde para ele) e acabou com o carro dele, perda total.
    Um dia destes eu fazia o contorno dentro de uma rotatória próxima à minha casa e um carro de auto escola, com aluna acompanhada de instrutor, veio avançando sobre meu carro.
    Neste país nem instrutor de autoescola conhece sinal de trânsito para poder alertar o aluno. como querem que as pessoas saibam dirigir e não se envolvam em acidentes. Não basta baixar o limite de velocidade, precisa mudar o sistema.

      • Steel Hawks
        Não sei a razão de você usar um apelido deste aqui, mas, vamos lá.
        Obrigado pela menção e mais ainda pela reportagem anexa. nos dá outra visão do que é administrar bem o sistema viário.
        A grande vantagem dos Suecos é que eles não ficam só no blá blá blá. Eles criam ações e agem para obter o resultado em tudo que fazer, além disso, eles tem educação acima e muito acima da nossa, não educação de escola, digo, educação familiar, pois, é isso que faz uma nação.
        Aquela história do brasileiro que chegou numa fábrica na Suécia para fazer estágio ou participar de algum outro evento e que o seu colega sueco ao lhe dar carona ao chegar muito cedo na empresa e encontrar todo o estacionamento vazio estacionou o carro longe do local de entrada deles o que os obrigou a caminhar por toda a extensão do estacionamento. O brasileiro intrigado questionou o sueco qual a razão disso, pois, o estacionamento estava todo vazio e a resposta, como todos nós já conhecemos, mas, para quem não conhece foi; como temos tempo vamos andar um pouco mais e deixar as vagas mais próximas da entrada para os que por algum motivo particular vão chegar em cima da hora. Isso mostra quão desenvolvido é um povo, enquanto ainda lutamos para que as pessoas respeitem vagas para deficiente, lá eles deixam as melhores vagas para quem as necessita sem questionar a razão disso.
        Quer mais uma, amigo meu, já falecido, na década de 80, naquela outra crise brava que passamos no Brasil, arrumou um estágio remunerado de dois anos na Alemanha, ao chegar ao aeroporto um futuro colega de trabalho foi busca-lo como combinado, porém, o Alemão, chegou num porsche, ele achou interessante entro no carro e para sua surpresa entraram numa Autoban, e o motorista ia perto dos 200 km/h, as vezes passava um pouco mais, porem ao sair da Autoban, entraram numa estrada comum e o alemão ia conversando com ele mas ainda andava entre 120 e 150 até que se aproximar de uma vila ele diminuiu bruscamente a velocidade para menos de 60 km/h e foi diminuindo até passar pela vila nos 40 km/h. Quando a velocidade caiu para 60, meu amigo achou que havia algum problema e perguntou ao alemão a razão, que foi respondida, dizendo que se aproximaram da vila que que em todas as cidades o limite era baixo, e que em algumas tem até radar para controlar, mas, não era o caso desta. Viu mais uma vez a educação do sujeito? não precisou de radar, apenas uma placa indicativa e o alemão obedeceu.
        Esta educação não temos no Brasil, as pessoas dirigem como se fossem as únicas no mundo, é egoísmo ao extremo, junto com a falta de conhecimento das regras de trânsito..

    • Ou seja, sua visão é que, já que o brasileiro é um ‘burro social’, e além de baixar as velocidades precisariam de outras medidas educativas, que não estão sendo tomadas, então deveriamos não baixar as velocidades?! Apesar do óbvio benefício que essa atitude traz, principalmente para uma sociedade violenta no trânsito?! Qual a lógica nisso? Me responda? É como se já que é uma m… então não vale a pena fazer nada?! É isso?

      • o que eu quis dizer é que não basta só reduzir a velocidade precisa ensinar de maneira correta como se dirige em dividindo com outros carros e indivíduos as ruas, mesmo, porque, só se anda acima de 40 km/h nas marginais fora dos horários de trânsito intenso, nem sábados e domingos escapa mais. Todo dia preciso trafegar por 11 km na marginal do Rio Pinheiros e posso afirmar que a média lá não passa de 12 km/h. Aos sábados é um pouco maior chega aos 30 km/h. então não é se tem lógica ou não a pergunta é; o que de racional estão fazendo para inibir o excesso de velocidade?
        Não adianta apenas reduzir a velocidade como em Londres para forçar o povo andar de ônibus e trem enquanto as autoridades continuam se deslocando em seus carros de luxo com motorista. tem que seguir os exemplo dos políticos londrinos, que vão de metro ao trabalho.
        Vale a pena fazer algo racional que de fato resolva o caos de transporte na cidade e não fazer só discurso e pintar faixa no asfalto. Nunca vi nenhuma ação racional aplicada em São Paulo para resolver a situação.

    • Olá, Nazareno
      As colunas da Folha são reproduzidas na íntegra aqui no blog uma semana após a publicação no jornal. A do dia 10 já está disponível!
      Um abraço,
      Blog da Raquel.

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