Catadores criticam estímulo a uso de incineradores pela Política Nacional de Resíduos Sólidos

O Movimento Nacional de Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR) divulgou nota, no final da semana passada, contra a aprovação do §1º do artigo 9º da Política Nacional de Resíduos Sólidos, que trata do uso de incineradores. A lei foi aprovada em julho, no Senado, e sancionada nesta tarde pelo presidente Lula em Brasília. Mas ainda precisa de regulamentação.

Leia abaixo o texto na íntegra.

Na próxima segunda-feira, 02 de Agosto, será sancionada a Política Nacional de Resíduos Sólidos pelo Presidente Lula em cerimônia em Brasília. O MNCR, que participara da cerimônia, solicitou ao Presidente o veto do §1º do artigo 9º que beneficia o processo de implantação de incineradores de resíduos como solução ambientalmente adequada.

O MNCR é contra a incineração por ser prejudicial a saúde humana e por ameaçar a reciclagem de resíduos e o trabalho dos catadores de materiais recicláveis, uma vez que a queima de resíduos para o chamado “reaproveitamento energético” necessita que sejam queimados resíduos recicláveis, como o plástico e papel, para que seja queimado também os resíduos orgânicos.
Nisso sentido, o movimento defende a ampliação dos programa de coleta seletiva e o apoio a atividade das cooperativas e associações de catadores.
Leia a nota na integra abaixo:
São Paulo, 29 de julho de 2010.

Excelentíssimo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva,

Representando mais de 800 mil catadores e catadoras de materiais recicláveis, o Movimento Nacional dos Catadores de Materiais recicláveis (MNCR), vem, pela presente nota, dividir preocupação em relação ao futuro de nossa categoria, manifestar nosso desacordo em relação a aprovação da incineração como solução ambientalmente adequada na Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) e pedir apoio para esta causa.

O MNCR, durante muitos anos, esforçou-se para que a PNRS se tornasse realidade e para o trabalho dos catadores de materiais recicláveis fosse incluído na política de gestão de resíduos. Por outro lado, o andamento da PNRS sempre foi bloqueado pelo interesse da indústria que prefere não se responsabilizar pelos resíduos que gera, os quais, em muitos casos, são perigosos e afetam a saúde humana e a natureza de forma irreversível.

O projeto de lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos contempla a inclusão dos catadores no sistema de gestão e oferece apoio para a realização dessa atividade garantindo melhores condições de trabalho para essa categoria. Nesse sentido, parabenizamos a aprovação desse projeto de lei no Legislativo Federal.

Por outro lado, apesar de toda a incerteza existente em relação aos danos causados por incineradores, o texto aprovado da Política Nacional de Resíduos Sólidos traz o “reaproveitamento energético” como destinação ambientalmente adequada de resíduos. Ao recepcionar a subtração da ultima frase do § 1º do artigo nono,  que garantia que a queima de resíduos somente seria feita após o esgotamento de todas as outras opções de reaproveitamento e reciclagem, a aprovação da lei   certamente oferece ameaça não só ao meio ambiente, mas a todas as pessoas que hoje trabalham coletando, separando, vendendo resíduos e diminuindo grande parte do impacto ambiental causado pela ação humana: os catadores de materiais recicláveis.

Estimamos que os catadores de materiais recicláveis somem hoje cerca de 800 mil trabalhadores, os quais são responsáveis por 90% dos produtos que chegam à indústria da reciclagem. Grande parte desses trabalhadores ainda atua de forma desorganizada e sem apoio do Poder Público para a realização de um serviço que é de interesse de todos. Hoje, apenas 327 dos 5.560 municípios brasileiros adotam sistemas de coleta seletiva. Desse universo, somente 142 (equivalentes a 2,5% do total de municípios) mantém relação de parceria com associações e cooperativas de catadores. Se uma política de reciclagem que inclua catadores já não existe de forma abrangente no país, o risco de que seja substituída por medidas alternativas é grande. Por essa razão, o §1° do 9° artigo do projeto de lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos, da forma como foi aprovado, ao facilitar a implantação de incineradores no Brasil, nos deixa extremamente preocupados.

A incineração exige elevados investimentos que certamente inviabilizarão a implantação de projetos sócio-ambientais e de infra-estrutura para a coleta, triagem e reciclagem de materiais. O lobby de empresas multinacionais de equipamentos de incineração junto às Prefeituras por todo o Brasil tem causado estranhamento a sociedade civil organizada, que não vê chegar investimentos para os programas de coleta seletiva, mas assiste a cenas de demonstração do  interesse dos administradores públicos em investir quantias milionárias em uma tecnologia atrasada, recheada de incertezas quanto a seus efeitos e benefícios econômicos.

Sabemos que há interesse do setor de industrias de plástico em implantar incineradores no Brasil e com a queima dos resíduos se ver eximida de sua responsabilidades, o que, inclusive,   estimula o maior consumo de embalagens no mercado brasileiro. Esse posicionamento vai na contra-mão dos objetivos dessa Política Nacional de Resíduos e, ao mesmo tempo, dos anseios da sociedade por um futuro de sustentável.

O não reaproveitamento dos resíduos sólidos significa inviabilizar toda uma cadeia produtiva que emprega milhares de pessoas e que ainda tem um grande potencial de crescimento. A exemplo da experiência nos EUA, enquanto um incinerador emprega um posto de trabalho, a mesma quantidade de dinheiro investida na reciclagem emprega 646 trabalhadores. A queima de resíduos significa, portanto, dar as costas a quem precisa de trabalho.

Nesse sentido, definir a recuperação energética como “destinação ambientalmente adequada de resíduos” sem priorizar a redução, a reutilização e a reciclagem, como pretendia emenda rejeitada pelo Senado, é contraditório em relação a um dos princípios que a própria Política Nacional de Resíduos Sólidos visou proteger, que é a gestão integrada de resíduos, o que significa que as soluções para os resíduos sólidos devem considerar as dimensões política, econômica ambiental, cultural e social (Art. 3, XI).

Por outro lado, o modo como os incineradores estão sendo implantados em todo o Brasil, sem nenhum esclarecimento ou consulta a população, um processo encaminhado sem qualquer transparência e sem qualquer debate público também vai contra a proposta de gestão integrada e deve ser denunciado!

Além disso, a incineração de resíduos é apontada pela ONU como uma das principais fontes geradoras de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs), que são danosos à saúde e ao meio ambiente. Não investir com toda a prioridade no reaproveitamento e na reciclagem e permitir a implantação de incineradores também significa deixar de lado um compromisso assumido pelo Brasil em 2001, quando assinou a Convenção de Estocolmo, tratado da Organização das Nações Unidas (ONU), que recomenda que o seu uso seja eliminado progressivamente.

Por todas estas razões, e tantas outras expostas em documentos que seguem anexos a este documento, o MNCR pede ao Excelentíssimo Senhor Presidente da República que considere a possibilidade de vetar o §1° do 9° artigo do projeto de lei que cria a Política Nacional de Resíduos Sólidos.

Gratos pela atenção.

Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis – MNCR

3 comentários sobre “Catadores criticam estímulo a uso de incineradores pela Política Nacional de Resíduos Sólidos

  1. Infelizmente o programa de coleta seletiva está longe de funcionar satisfatóriamente na maioria dos estados brasileiros…

    • Venho manifestar minha admiração pela sua posição de defesa do interesse dos catadores de materiais recicláveis. Exatamente por ter, também, profundo apreço por estas pessoas que, em sua imensa maioria, buscam sua sobrevivência sob condições de trabalho quase desumanas em lixões e aterros irregulares é que gostaria de fazer algumas observações ao texto da nota do MNCR.
      a) A citada Convenção de Estocolmo de 2001, no anexo C parte II, de fato aponta a incineração realizada de forma tecnicamente inadequada como uma das principais fontes de emissões dos POPs. Aponta, também, outras importantes fontes de emissão de dioxinas e furanos fartamente encontradas no Brasil, dentre as quais destacamos: a queima de lixo a céu aberto, incluindo queima espontânea em aterros e lixões, as queimadas de florestas e de outros tipos de biomassa. De todas estas fontes de POPs somente a incineração está sujeita a normas ambientais.
      A nota do MNCR, no entanto, não menciona que na mesma Convenção (anexo C parte V), a incineração é arrolada dentre as ‘Melhores Técnicas Disponíveis e Melhores Práticas Ambientais’, desde que realizada de forma tecnicamente correta, ou seja, em sistema fechado, sob elevada temperatura (superior a 850º C), com tempo de residência adequado e com tratamento eficiente dos gases.
      b) Mais recentemente, em 2007, o Relatório do IPCC/ONU sobre Mudanças Climáticas, confirmou a incineração de resíduos urbanos com geração de energia como rota preferencial para a destinação final do lixo urbano não reciclável, como alternativa a novos aterros de lixo orgânico, reconhecidamente uma das principais fontes de emissão de gases do efeito estufa.

      Colocar a incineração de resíduos na posição de inimigo da reciclagem é afirmação que facilmente pode ser desmentida pela realidade. Apenas um exemplo: a Alemanha, País onde as normas ambientais são das mais rigorosas do Mundo, recicla quase 40% do lixo urbano que gera, e destina pouco mais de 30% do lixo urbano a Usinas de incineração, com ou sem geração de energia. Em compensação, na Alemanha já não há mais aterros de material orgânico.
      Muitos outros exemplos semelhantes podem ser encontrados na Europa e na Ásia. Mesmo no Brasil, as poucas experiências sérias no campo do aproveitamento energético de resíduos prevêem uma etapa de separação manual/mecânica daqueles materiais recicláveis que efetivamente têm mercado.
      Sou grande entusiasta da reciclagem, aliás, dos três “Rs”, mas entendo que usar este tipo de argumento facilmente contestável auxilia muito pouco a causa dos catadores. Combater sem base a chegada de tecnologias modernas largamente utilizadas no Mundo, pode causar a falsa aparência de que o MNCR está defendendo a manutenção do ‘status quo’ de aterros e lixões, com milhares de cidadãos brasileiros chafurdando em montanhas de lixo.
      A meu ver, a solução para a reciclagem passa pela organização efetiva dos catadores em cooperativas, pela participação compulsória do poder público Municipal no aparelhamento dos locais onde os cooperativados possam ter condições dignas de trabalho e pelo estabelecimento de normas tributárias que incentivem a aquisição, pela indústria, dos materiais recicláveis.

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