Chuvas: sem planejamento, verba irá “pro ralo”, diz relatora
Roberto Pereira /SEI/Reprodução
Estragos causados pelas chuvas na cidade de Barreiros, em Pernambuco
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Carolina Oms
Especial para Terra Magazine
Na avaliação da relatora para moradia da ONU, Raquel Rolnik, a causa dos desastres provocados pelas chuvas em Pernambuco e Alagoas não é falta de verba. O que falta não só nesses estados, mas no Brasil todo, é planejamento:
– Qualquer dinheiro que você joga sem que haja a gestão, vai para o ralo, a gente não calcula isso em bilhões, é uma questão muito mais complexa que isso.
A relatora afirma que não dá pra simplificar o problema em a cidade ter ou não Defesa Civil ou ao fato de receber mais ou menos verbas: “Não dá para generalizar as situações de gestão em prevenção no conjunto dos municípios atingidos, porque ela é muito diferente”.
Raquel Rolnik é urbanista, professora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. Também atuou no Ministério das Cidades entre 2003 e 2007.
Leia os principais trechos da entrevista:
Prevenção
Não dá para generalizar as situações de gestão em prevenção no conjunto dos municípios atingidos, porque ela é muito diferente. Particularmente na região metropolitana de Recife não aconteceram mais mortes exatamente porque existe um programa de gestão, que já havia impedido desastres maiores em outros anos.
Essa região tem uma estrutura de Defesa Civil e tem um programa específico de segurança em áreas de risco em tempos chuvosos, o Viva o Morro, que desde 2000 articula ações, não apenas no âmbito da Defesa Civil, mas no da gestão do risco. Além disso, a cidade do Recife, desde 2003, também tem o programaGuarda-Chuva, que age de maneira coordenada com o Viva o Morro.
Uma coisa é resposta diante de um desastre, outra coisa é uma ação de mapeamento, monitoramento e identificação de áreas de risco e de montagem de estruturas de gestão do risco. E isso não existe nas pequenas cidades atingidas pelas enchentes.
Planejamento
Não tem a ver com o governo de Alagoas, governo disso ou daquilo, tem a ver com não existir planejamento do território no Brasil. Essa é a questão. E ela pende com mais intensidade em alguns municípios e menos em outros.
Um exemplo é a cidade do Recife, onde morreram cinco pessoas de uma família, em uma casa. Eu imagino que a extensão, diante do aguaceiro excepcional, podia ter morrido muito mais gente.
Qualquer dinheiro que você joga sem que haja a gestão, vai para o ralo. A gente não calcula isso em bilhões, é uma questão muito mais complexa que isso. Evidentemente, a partir do momento em que você tem um plano, ter dinheiro para implementá-lo é muito importante.
Áreas de risco
Nenhuma área é ou não é de risco, são gradientes, não existe sim ou não, é tudo custo benefício. Quanto custa para diminuir o potencial de risco aqui versus quanto custa para oferecer uma alternativa digna para tirar o morador daqui. A remoção não deve ser um ponto de partida, ela pode ser necessária a partir do momento em que você faz um projeto de urbanização.
Ajuda financeira
A imprensa erra ao abordar essa questão e reduzir o problema à quantidade de dinheiro que foi ou não foi para o estado, esse é um sub-tema, do sub-tema do sub-tema. A questão mais ampla é gestão o território, do risco, planos municipais, conhecimento da situação, equipes técnicas preparadas.
Chama-se gestão, não se chama dinheiro. E não é na hora do desastre, é muito antes e deve ser sempre, é fortalecimento do planejamento do território, tudo que não fazemos no Brasil.
Fonte: Terra Magazine
Cara Raquel, o que preocupa também é que em ano de eleição, com dispensa de licitação devido ao estado de emergência e com a quantidade de recursos que estão chegando a compra de votos, sempre recorrente, vai fortalecer a relação clientelista entre políticos aproveitadores e a população afetada. Precisamos de uma atenção especial para a combinação oportunista desastre e eleição. Atenção sociedade, mídia e judiciário!
Penso que a principal questão nesse caso é romper com a cultura reinante que a grosso modo padroniza a governança brasileira que mede sua eficiência através da quantidade de dinheiro investido e apenas isso.
Abraços
Twitter.com/garridotiago
ha tempo venho pensando em como responder (pois sou arquiteto e urbanista) a estas repetitivas reportagens de tagédias de final de ano nos morros das grandes cidades e vejo como não há avanços nas matérias jornalistícas ao tratar o assunto de forma estritamente técnica. o que padecemos´hoje é sem duvida de uma garantia mais moral do que técnica, mais de gestão do que de conhecimento específico. uma pena que a ciencia seja vista como a solução para os problemas que teimam em não estar exatamente no dia e na hora da tragédia.